Moscovo 1976

De Vasco Costa Marques


Moscovo 1976


E a partir de noites tantas
Shérasade
passou a contar estórias
à múmia de Lenine
que dava corda a si própria
disparando um moinho de orações.

Enterrado no chão
detestava o longo formigueiro
com cheiro a tosquia de carneiro
e azeitonas
e o zelador
encharcado em Chanel de “free shop”
da Intourist que trazia o zum-zum
do disse-que-disse
do Kremlin sem falar (que arrepio)
das poções mágicas dos físicos...

Gostava – isso sim – da camarada
do espanador
que lhe limpava o pó
essa cheirava a verde erva
molhada e a maçãs
tudo rural.

Para falar verdade
além do mais
das estórias estava farto
depois de anos e anos
de Politburo...

Ali deitado – sem vagão
sem caminhão
sem pódio –
sentia-se minguar...

*

Ódio – que é ódio?
- um rebuçado seco
num boião de vidro
em lojeca de bairro suburbano
dessas que já nem há...

nem em Sampetersburgo

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