Vinha do outro lado do tempo do inverno seguinte


"Dezanove cantos"
1969 (?)
LUIZA NETO JORGE

Recanto 12

Vinha    do outro lado do tempo    do inverno seguinte
um ruído rápido e ao mesmo tempo, assim parecia,
anfíbio
como alguém em trânsito para o seu mar
ao sair do emprego, e o instrumento
sol-terra-lua-homem-mulher-puta-que-vos-pariu-deus-vos-abencoe-
-etecetera-amén-
a buzinar-lhe aos ouvidos

e de vertiginosa a roda um instrumento a mais
em potência de tortura passou imediatamente a ser
útil vertiginosa indispensável
porque é uma roda e só por isso
porque tudo segue o mesmo percurso e no mesmo tempo
e na mesma roda de espaço que nós em tudo
e só por isso
quando a caixa toráxica passa a ser de metal
por assimilação
e de plástico por fora e roda no corpo
e só no sexo o circuito é uma onda fundente
liquidamentamante
lemos  o   capítulo   do sangue
quando em transe se descarrega como a campainha
de que as palavras são o toque e os silêncios
o clarão da música.

Assim se fala, ouvem-se telefones, como possuídos
por outrém
de que as palavras se chamassem fala
e o terror ventriloquia.

1 comentário:

hfm disse...

Belíssimo!