a minha idade é triste ou demasiado feliz


"Antologia de poesia universitária"
1964 
Eduardo do Prado Coelho

Algumas Notas Explicativas de uma Geração

a minha idade é triste ou demasiado feliz
é brutal como os gritos no cais e açucarada nos cafés
e não sabe que uma chávena de café vale três sacos
sobre o tronco esgarçado dos carregadores
(isto disse-me uma rapariga mas mudámos de assunto
porque talvez começasse a chover e houvesse
dias frios no começo da semana)
a minha idade não é de oiro ou heróis ou pedras de sal
nem de terra ou feno ou ferro
nós homens de ferro forjado!
(assim escreveu o mais poeta dos meus amigos)
nós barqueiros navegantes humildes caminhantes
de rumos insondáveis e antigos e na palma das mãos
ou na arena do peito temos gravados roteiros e astrolábios
os instrumentos da viagem mas não há viagem
há seco areal e falta de alimentos
há ainda as modernas latitudes as ilhas submersas
e os mapas cobertos de um bolor cor de brasão
mas temos a cinza duma esperança esperança ainda mole
que nos embala como um berço derrubado é triste
é triste a minha idade: há nela as sílabas ácidas da morte

mas gostamos dos nós flexíveis nos cabelos das raparigas
e lemos Éluard Aragon os cantos de Neruda os versos fraternais
e temos amigos todos os meus amigos são amigos
porque um dia me reconheceram e com eles
repetimos as primeiras palavras
as mais puras e corajosas e gostamos de amar
e acreditamos na lúcida alegria das palavras justas

1 comentário:

Anónimo disse...

Lindo!
Como parece com o meu comando!