Uma pequena, quiçá abusiva, intervenção do "fazedor" do blog a propósito da data e dos tempos


Pois é, também tenho direito e acho que é preciso.
Para comemorar o 25 de Abril.
Por várias razões.
A primeira, porque me é penoso encontrar, cada vez mais, a propósito da crise e do FMI, louvores aos "velhos tempos" e ao antigo regime. Talvez, quem sabe, alguns deles venham dos a quem bastou ir "para a repartição sem gravata" que VCM refere, mas acredito que não. Há quem já não se lembre ou não tenha vivido esse tempo.
Para relembrar ou mostrar, deixo esta imagem do Portugal dos "bons tempos". E não me digam que é por ser antiga, embora de facto o seja, porque nos anos 70, mesmo antes do 25 de Abril, muito Portugal estava ainda assim, tirando, em parte, o pé descalço que foi "eficientemente" tratado por decreto e repressão policial. Eu vi. Eu estava lá.
A segunda, porque hoje - 24 de Abril de 2011 -um cronista dos nossos jornais falava da facilidade com que Portugal esquece. E eu lembrei-me, como me acontece frequentemente, da forma como uma guerra em que andámos envolvidos 13 anos nos "esqueceu". Entre aspas, sim, porque a minha opinião não é que tenhamos esquecido, é que silenciámos. Contrariamente ao que diz o cronista, acho que temos esta coisa de silenciar mais do que esquecer.
Eu andei lá, pelas guerras, em Moçambique, Cabo Delgado, o que não foi nem "pêra doce", nem, já gora, um Vietname, e não posso deixar de estranhar que, vivendo e cruzando-me todos os dias com pessoas que também por lá andaram - e fomos quase todos os que hoje temos entre 70 e 60 - nunca se fale disso. Queira-se ou não, tínhamos 20 anos e estivemos dois anos a ver morrer e, nalguns casos, a matar. E "esquecemos"?
A fotografia da mensagem anterior, que acompanha a diabrite sobre a guerra feita na época por Vasco Costa Marques e que nos"bons velhos tempos", se publicada, seria suficiente para o levar de novo à prisão, foi tirada por mim.
Íamos em "bicha de pirilau", como chamávamos a este andar em coluna que, no caso e contra o costume, está bastante "abandalhada", de armas ao ombro, em resultado de já andarmos há vários dias no mato sem sinal de Frelimo. Quem, em último lugar, olha para trás é o Cabo enfermeiro, de nome Barbosa. Um bom amigo, que hoje vive para as bandas do Seixal.
Para terminar, só quero deixar claro que não ando desesperado para falar desses tempos. Não, não esqueci mas também não penso nisso senão quando algo, muito espaçadamente, me empurra para tal. Mas acho estranho, sempre achei, e houve mesmo alturas em que me revoltava contra um silêncio que sentia imposto, antes e depois do 25 de Abril. Sobretudo depois, por estranho que pareça.
E habituei-me a ignorar uma parte importante - boa ou má não importa - da minha vida. Como muitos outros.
E cá estou, eu "fazedor do blog", num desabafo a propósito da data e de uns "versinhos" que encontrei entre os papéis de Vasco Costa Marques.

2 comentários:

francisco oneto disse...

Amigo João
Gostei muito de ler esta tua preciosa reflexão. Deixa-me colocar questões, mesmo que inquietantes: O relativo silêncio e esquecimento de que falas não andará em paralelo com o tão cantado sucesso na integração dos retornados de África? Eu sei que são fenómenos distintos e que devem ser analisados em planos distintos, mas se calhar é possível chegar a novas pistas, interpretações e perguntas, quando perspectivamos estes fenómenos de forma mais abrangente. E que dizer, também, do sumiço que tiveram não sei quantos milhares de agentes da PIDE e bufos encartados? E que dizer da aparente recuperação de prestígio da memória de Salazar?
Poderemos nós, neste caso, identificar os mecanismos sociais produtores de esquecimento, para além dos sítios mais óbvios como, por exemplo, os espaços de ensino e transmissão de saberes (escola)?
Em todo o caso, não é de excluir uma análise do tipo custo/benefício ao nível mesmo das feridas profundas e dos traumas que habitam no nosso "subsolo" e que poderão justificar as razões por que silenciámos - por ser preferível à dor da evocação dessa ausência. Tanto mais num povo que, ao que dizem, se caracteriza pelo estereótipo da saudade: evocação prazenteiramente nostálgica de uma ausência, dor apenas fantasiada em memórias de amores como em Camões ou Bernardim Ribeiro... Como os mitos das moiras encantadas... Que sentidos profundos se encerrarão por detrás dessas narrativas, mesmo quando o significado original foi esquecido? De que valerá recuperar as feridas abertas? Para todos os que sofrem de stress pós-traumático, valerá a pena algo mais que não um propósito terapêutico claro? Não se encarregaram - bem - os historiadores, de mapear o drama colonial português?...
Pela minha parte, que nunca pus um pé em África, recordo uma exposição de fotografias da guerra, que vi na Fac de Letras, logo em 74 ou 75, não recordo bem, onde se mostrava uma das suas dimensões mais preocupantes e aflitivas para o meu tenro imaginário de então: jogos de bola com cabeças (jogadores com ar muito divertido) e muitas outras cabeças, orelhas e orgãos sexuais espetados ou pendurados em paus e arames, incluindo abjecções de natureza sexual. É preciso nunca desistirmos de interrogar a condição humana...

Grande Abraço

JG disse...

Foi mal escolhida a palavra silenciar, por transmitir a ideia de que o que me preocupa é a ocultação de esqueletos no armário e, já agora, os traumas de que falas. A minha perspectiva é outra. É o silêncio total e absoluto a que, antes e depois de 74, se remeteu quem lá esteve, mesmo quando lá estava. Passam-se anos sem que, em qualquer conversa de café entre gente que por lá passou, se troque uma palavra sobre o assunto. E estranho porque, acredita, não passávamos os dias a jogar à bola com cabeças, mas este silêncio é tão constante e tão pesado que até faz parecer que sim.